quarta-feira, 13 de maio de 2009

malditos - Cap. IX

Todos têm um segredo, menos Lennon e seu macaco

Sentado com os pés sobre a mesa, Parafuso abria o jornal do dia, quando uma cambaxirra voou através da janela e pousou sobre uma viga de madeira no lugar mais alto da sala.
Parafuso: Maldição.

O mecânico levantou rápido, enrolou o jornal em forma de cone e, aos pulos, tentou espantar o pássaro agourento. Seu pai lhe ensinou que o canto da cambaxirra trazia azar. Parafuso correu até a janela, após afastá-la, para se certificar se estava longe dos seus domínios. Depois olhou para baixo, para fiscalizar o trabalho dos seus empregados. Um deles trabalhava na suspensão de um Renault, quando uma garota de minissaia passou pela calçada. Ele fez uma gracinha, ela fez um sinal obsceno, os outros mecânicos riram, o estepe se desencaixou e o carro desceu pela calçada assustando os passantes.

Parafuso: Puta-que-pariu!

O chefe jogou o jornal de lado e furioso desceu as escadas. O hilário acidente impediu que ele lesse a seguinte notícia: Associação de pescadores não aceita a hipótese de acidente.

Parafuso: Porra, ninguém trabalha direito!
Empregado: Pô, chefe, não sei o que aconteceu...
Parafuso: Você não calçou as rodas traseiras... Que burrice!... Quase matou aquela velhinha do coração! Como está o carro?

Enquanto checava o veículo, os outros empregados tiravam sarro com o colega burro: “Foi gastar a cocata” “É muito otário!”. “A garota derrubou o macaco com a força do pensamento!” “É a Jean Grey!”. “Ooolha issooo!” Parafuso voltou sua atenção para a origem do espanto dos empregados.

Parafuso: Que surpresa!
Diana: Queria conversar com você.
Parafuso: Vamos para o meu escritório.

Diana detestou o ambiente. Era difícil andar entre as caixas com peças, as pilhas de bateria, o arquivo com as gavetas abertas.

Parafuso: Desculpe a bagunça... Pronto! Sente aqui... Então, aconteceu alguma coisa?

Antes de responder, ela procurou nos olhos do mecânico o antigo e reprimido sentimento. Parafuso a achou mais bonita do que antes, quando a conheceu, como namorada do seu melhor amigo.
Diana: Leandro... Estou preocupada. Acho que Orlando me envolveu em uma situação perigosa. Por isso vim aqui, você sabe em que estamos envolvidos?
Parafuso: Como?
Diana: Por favor, diga pelos menos algo que me tranqüilize.
Parafuso: Não estou te entendo...
Diana: Eu te vi, naquela noite, entrando no carro do ambientalista, saindo, e depois voltando... Te vi entrando e saindo do bar...

Ainda fingindo, Parafuso voltou à cena do crime, tentando imaginar em qual lugar ela poderia ter se escondido?

Diana: Você ficou bastante tempo do outro lado da rua, meio nas sombras, antes do bar abrir. Tinha um carro na frente da árvore, lembra? Você até fumou um cigarro encostado nele. Eu estava lá dentro, deitada no banco de trás, coberta com uma manta negra, protegida pelo vidro escuro.
Parafuso: Ali era realmente o melhor ponto de observação.
Diana: Leandro, em que estamos metidos?
Parafuso: Não estou envolvido em nada.
Diana: ESTÁ SIM! Você participou de um assassinato.
Parafuso: Fale baixo, pelo amor de Deus! Não diga essa palavra! Eu não sei, juro! Mas vou procurar saber. Agora fique calma. Quer uma bebida?
Diana: Uma água... Se houver algum copo limpo.

Enquanto Diana se acalmava bebendo água gelada direto da boca da garrafa, um estranho senhor chegou à oficina. Ele se vestia de modo antigado, usava um lenço para secar o suor do rosto, tinha uma barba grisalha bem cuidada, bochechas levemente rosadas e um olhar bonachão. O tipo se dirigiu a um dos empregados. Este gritou para alto.

Empregado: Chefe, tem um cliente aqui embaixo...

Parafuso se encheu de raiva depois de ouvir o grito estridente, pois interrompeu um raro momento de privacidade e cumplicidade com a desejada mulher.

Diana: Vou indo...
Parafuso:
Deixa o número do seu telefone... Caso eu descubra algo novo.
Diana: 6016-3306.
Parafuso: Vou te acompanhar.

Ao passar pela porta, Parafuso adotou a convenção do cavalheiro: “primeiro as damas”. Diana aceitou e desceu a escada com um sorrisinho satisfeito, enquanto ele olhava para sua bunda. O cliente os esperava no último degrau da escada. Parafuso o encarou com implícita antipatia.

Parafuso: Só um minuto, vou levá-la até o carro.

Antes de abrir a porta, Diana se despediu do velho amigo, deslizando a mão pelo rosto dele, o olhou com ternura e lhe deu um beijo no canto dos lábios.

Diana: Vamos voltar a ser amigos... Precisamos confiar um no outro, porque não confio mais no Orlando.
Parafuso: Não se preocupe. Eu juro.

O cliente os observava curioso como um biólogo ao descobrir uma nova espécie. Parafuso se aproximou:
Parafuso: Pois não, em que posso lhe ser útil?

O senhor ensaiou um clima amistoso. Observando os empregados, os vários carros na oficina, simpático brincou:

Cliente: Vejo que a crise internacional não chegou ao seu terreno.
Parafuso: Que crise? Não há crise nenhuma. Os donos dos jornais - esses sim! – ganham dinheiro com essa crise.

Parafuso parou no início da escada, encostou o braço sobre o corrimão, fitou sério o cliente, jamais o levaria para o seu escritório. Qualquer negócio resolveria ali mesmo, no meio da graxa.
Cliente: Eu o procurei em busca de uma opinião técnica, afinal o senhor é “o melhor mecânico da cidade”. A fama precede o homem.

Parafuso o ouvia com visível impaciência: “Eis aqui um sujeitinho cheio de rodeios!”.

Cliente: Oh, perdão, ainda não me apresentei. Meu nome é Benedito Ramos Soares Manso, sou Inspetor da Polícia Federal, fui convocando para retomar as investigações sobre o acidente que vitimou um funcionário da prefeitura, parece que algumas evidências ainda estão nebulosas.

A cada palavra o coração de Parafuso batia mais forte, ao final da apresentação, seus batimentos estavam mais rápidos do que o piscar dos seus olhos.

Parafuso: Podemos conversar no meu escritório. Acho mais apropriado.
O mecânico voltou a subir as escadas, tentava controlar o nervosismo, mas só em imaginar (e não conseguia pensar em outra coisa) que, talvez, o inspetor já estivesse na oficina quando Diana falou aquela palavra... Esse pensamento o fazia suar frio.

Parafuso: Por favor, sente-se.
Inspetor: O senhor está com frio? Parece que está tremendo...
Parafuso: Não! Ah, sim... Uma pequena infecção na garganta... Estou tomando um antibiótico... Eu ainda não tomei o comprimido... Muito trabalho... Só vou pegar o comprimido... Aqui está!... Uma água, uma água... Pronto!... Pois bem...
Inspetor: Não coloque o trabalhe acima de sua saúde. Não vou tomar mais o seu tempo. O senhor poderia prestar uma colaboração à investigação, analisando o carro da vítima, seu talento é uma unanimidade, por isso será de grande valor uma opinião eminente e definitiva... Poderíamos agendar um dia?
Parafuso: Sim... Estou ao seu inteiro dispor.
O inspetor anotou o dia e o horário, mas seus olhos não estavam na agenda. Parafuso, em curtos intervalos, coçou várias vezes a cabeça. Isso era digno de nota. Por fim, o agente, sempre simpático, se despediu com um forte aperto de mão. O mecânico ficou alguns minutos sentado, enquanto o oficial descia. Tão logo se certificou da partida, correu para a porta e a fechou aflito.

Parafuso andava de um lado para outro, derrubando caixas, espalhando peças pelo chão, buscava organizar os pensamentos, enfim, lutava contra o medo. Profundamente supersticioso, procurava respostas através de sinais. Estranha coincidência. Diana e a polícia aparecem no mesmo dia e na mesma hora. Será que a seguiram? Sim! Claro! Eles já sabem tudo. Eles não sabem nada. Não há nada. Não há impressões digitais. Ninguém o viu? Ela. Não! Todos a viram com o ambientalista no bar. Orlando... Orlando!

O mecânico pegou as chaves do carro, desceu correndo os degraus, chamou seu empregado de confiança:

Parafuso: Ó Camundongo... Vem cá! Dá uma lubrificada no meu rifle Rossi e o deixe em cima da mesa no meu escritório... Depois feche a oficina, vou demorar.

Parafuso saiu acelerando o Maverick preto. No primeiro sinal vermelho, colocou uma música para se acalmar – Evil woman, Black Sabbath. Pisava fundo.

Parafuso: Maldita cambaxirra!
(no próximo capítulo: causa e conseqüência).

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