sexta-feira, 26 de junho de 2009

Maldidos - Cap. XII

Porfiri Pietróvitch


Olá ouvintes da rádio KL9mil sintonizados no programa Mitos do Rock. Hoje contaremos a história do último poeta romântico do rock’n roll: Marc Bolan. Ele morreu em um trágico acidente de carro, quando ia ao encontro de sua mulher, que acabara de aceitá-lo de volta, depois de um ano de separação. E para começar, vamos ouvir “Buick Mackane”.

Buick, Buick, Buick Mackane
Will you
Buick Mackane, will you be my girl

Parafuso aumentou o volume do rádio no carro, talvez assim sua mente agitada se acalmasse. Finalmente chegara o dia de comparecer ao depósito da polícia federal, uma espera de pouco menos de 72 horas. Porém, enquanto aguardava ansioso, um fato novo surgiu, a confirmar uma velha máxima.
Rainy lady, Queen of the Rock
Will you help me roll
Help me roll to my soul

No desejo, um dia todos erram, erraram e errarão sempre. Pois o desejo confunde os sentidos. E alguns só aprendem com o erro. Em resumo, esse era o argumento que Parafuso recorria para tentar amolecer o duro coração de sua ex-esposa. Mas nos últimos meses, já exausto e desmotivado, vinha aceitando a separação como fato consumado e definitivo. Até ontem à noite, quando Mirela o procurou, menos ressentida, disposta à reconciliação.
Então, vejamos como o destino joga. No mesmo momento em que surge um prenúncio de paz, Parafuso dirige em direção à sua perdição. Por que aceitou participar dessa trama macabra se, desde o início, a achou arriscada e perigosa? Porque sua vida estava vazia. No final da tarde, era comum vê-lo fitando o nada, olhar tedioso e imóvel. A proposta de Orlando reacendeu a antiga chama, o ancestral apetite pela destruição. O dinheiro também foi estimulante.

Estacionou o carro em frente ao depósito. Faltavam cinco minutos para o horário combinado. Um imenso peso caiu sobre sua nuca. Uma poderosa corrente de adrenalina circulava pelo seu corpo. Depois, surgiram os tremores. Estava completamente tomado pelo sentimento de fuga: a vontade de voltar atrás, desfazer, viver em outro lugar diferente do presente. Ao caminhar para a entrada, evitava pensar na possibilidade de uma confissão, revia as alternativas, buscava respostas ideais para perguntas imaginárias. No meio de tudo isso, a imagem reconfortante de sua esposa e sua filha. Não podia tombar, não podia tremer. Abriu a porta com dificuldade.

Dentro do depósito, o inspetor Benedito Manso o aguardava. Seu assistente não entendia a estratégia do chefe. Para ele, era muito mais prático – e ortodoxo – intimar o suspeito. Para quê convocá-lo como “colaborador”? Talvez o investigador-chefe estivesse levando longe demais seu gosto pelo teatro. Nada disso, contudo, incomoda o mestre. Não é a confissão que interessa, mas o modo como se a obtém. É preciso sentir o cheiro da culpa, para depois fisgar o culpado.

Assistente: Nosso homem chegou.

O inspetor analisou Parafuso a cada passo, visivelmente vacilante, as mãos nos bolsos para controlar o nervosismo. Eles se cumprimentam.

Inspetor: É um profissional pontual. O senhor foi muito prestativo em aceitar o convite.

E como recusar sem que isso não significasse uma confissão prévia? Eis as sutilezas intelectuais do investigador.

Inspetor: Vamos lá ver a máquina.

Logo assim que viu o carro do ambientalista, Parafuso sentiu uma angustiante vontade de fugir. Por alguns segundos se imaginou voltando correndo para a entrada, os policiais atirando, ele saltando sobre o muro, ligando o carro, pegando a esposa e a filha, acelerando em alguma estrada perdida. Antes que fosse mais além em suas fantasias, Benedito Manso o segurou pelo braço. A esse gesto inofensivo, Parafuso reagiu com susto, fosse porque o despertasse do sonho, fosse porque anunciasse o futuro.

Inspetor: Veja em que estado ficou... Completamente destruído. Nossos técnicos estavam prestes a desmontar o motor, quando pensamos no senhor...

O inspetor virou para o assistente e pediu para chamar os técnicos.

Inspetor: São seus fãs! Será um grande aprendizado vê-lo trabalhar.

O carro estava localizado no centro do galpão, três holofotes iluminavam todo o interior do motor, nem uma mosca passaria desapercebida. Antes de iniciar sua análise, sete policiais cercaram o especialista.

Parafuso vasculhava o interior do veículo. Devido à tensão ou ao hábito, como este ato falho: abriu rapidamente a caixa de ferramentas e... retirou uma pequena lanterna! Essa cena provocou olhares risonhos entre os oficiais. Houve até um que falou baixinho: “Por que a gente não prende logo ele”. Era tudo uma farsa, menos o suor descendo pelo rosto do mecânico.

Inspetor: Nossos mecânicos trabalham com a idéia de que houve uma falha no sistema de freios... Mas também há a hipótese de ter havido um curto no sistema elétrico.

Ele ouviu essa explicação como um condenado à forca sentindo a corda cair sobre seus ombros. Nada mais lhe passava pela cabeça. Era óbvio que haviam descoberto a sabotagem no automóvel. Chegaram através de Diana. Ela foi a última pessoa a ser vista em público com o ambientalista. Provavelmente, estava sendo seguida.

Deveria ter comparecido com um advogado, mas como tinha sido convidado, chegar com um significaria confissão prévia. Estava tudo claro. Réu confesso antes da confissão. Armadilha muito bem armada.

Resignado, Parafuso corria as mãos sobre as peças familiares do motor, lembrava de sua infância. Na sua memória o sol brilhava em um momento na praia, quando tinha dezesseis anos e irradiava felicidade. Então, quando as luzes do passado se apagaram, seus olhos voltaram-se para a realidade, pousando, talvez aleatoriamente, sobre o eixo de direção, e notaram uma larga rachadura, envolta em...
Parafuso: FERRUGEM!
Tomado de alegria, Parafuso puxava os policiais pela gola, para mostrar sua descoberta. Um espectador alheio veria na animação do mecânico um comportamento típico dos especialistas, que ficam para lá de empolgados quando resolvem um problema insolúvel para os leigos. Como um professor orgulhoso, mostrava para os alunos os sinais de ferrugem e suas consequências...

Parafuso: Olhem, o pó tomou conta de toda essa área. O eixo de direção praticamente rachou por completo, por causa disso o motorista perdeu o controle – estava em uma curva?
O inspetor assistiu a cena surpreso e interrogativo. Como esses imbecis não perceberam isso? Há algum tempo seu assistente vinha desconfiando de dois agentes. Por outro lado, ver a demonstração de alívio do mecânico, confirmava todas as suspeitas. E ele tinha motivos para estar feliz. Afinal, quando prestar seu depoimento em juízo, alegará ao mal estado do veículo a causa do acidente. Não deixou de achar irônico o final: um ambientalista morreu ontem à noite, quem o matou? A Renault.

Parafuso estendeu as mãos triunfantes para se despedir do inspetor.

Parafuso: Creio que minha missão foi cumprida... Ou ainda há outras dúvidas?

Ele encarou o detetive com uma certa arrogância e desprezo mal disfarçados.
Inspetor: Pode ir! Como prevíamos, sua contribuição foi valiosa para a investigação. Gostaríamos apenas de arrolá-lo como depoente no encerramento do processo, portanto, qualquer viagem para fora da cidade, o senhor deverá nos comunicar.
Parafuso: Estou a inteiro dispor da justiça. Boa-tarde!

Enquanto Parafuso se dirigia saltitante para a saída, o assistente virou para seu superior.

Assistente: Ele deu sorte nessa, não?

O inspetor o ignorou, chamou o responsável pela perícia e o indagou:

Inspetor: É possível que essa rachadura tenha causado o acidente?
Perito: É uma possibilidade remota... Mas nesse caso, não haveria capotamento... Teremos que voltar ao local do acidente...

O investigador fechou o capô do carro, secou o suor do rosto e coçou a cabeça. Os outros policiais se retiram, deixando-o apenas com seu assistente.

Assistente: E agora, vamos intimar o peixe-grande, o tal Orlando?
Inspetor: Sim. Porém, ele é o filhote, o peixe-grande é o sogro.

(no próximo capítulo: Orlando, um homem de família).

5 comentários:

  1. Será que essa história de ferrugem vai colar? =)

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  2. Ah, tô achando o máximo o Malditos ter trilha sonora!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Pietrovitch pode estar acostumado com aqueles pseudo-bandidos que desmaiam e adoecem à frente de uma investigação policial, mas sob o sol dos trópicos, bandido expressa arrogância e desprezo...
    se for preso, não será por somatizar a culpa!
    to me amarrando nessa estória!!!
    ficou dificil é não associar este capitulo a outro crime e outro castigo
    Andersongs - o Dias(toiésvisk) Gomes da rapeize
    KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

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  5. hehehe... "Outro crime e outro castigo". Ótimo comentário.
    Gostei muito. Vou ler do começo agora.

    Valeu, camarada.

    Abraços

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