domingo, 14 de junho de 2009

Malditos - Cap. XI

Mr. Crowley


A governanta perguntou outra vez para Elias:

Governanta: O senhor precisa se alimentar, desde ontem sentou nesse sofá e não fez outra coisa além de ver o vídeo do seu aniversário.

Ela se sentia responsável pelo seu bem-estar, preocupar-se com ele é uma função que exerce há tantos anos.
Governanta: Durma um pouco, dê um descanso para os olhos.
Elias: Preciso enxergar.

Elias sempre a ouviu, sua voz protetora o acalentou em vários momentos de tristeza. Mas o tempo da boa fortuna se foi. Agora é preciso aprender a ver melhor, ouvir melhor, viver melhor.

Governanta: Pelos menos, abaixe um pouco o som, já ouvi o suficiente os lamentos do sr. Robert Johnson.

Elias: Vá descansar. Não há mais nada que possa fazer.

Há dois dias e três noites, logo após o frustrado ritual, Elias não parou de ouvir as gravações do cantor do Mississipi, que vendera a alma ao demônio e morreu envenenado aos vinte e sete anos. É a trilha incidental para sua festa de aniversário projetada no plasma da tv.
No seu sétimo aniversário, duas coisas extraordinárias aconteceram, sendo uma delas capital para o futuro de Elias. O primeiro evento o aterrorizou. Um dos garçons, que também trabalhava como coveiro, sofreu um colapso nervoso. Sem nenhuma explicação, começou a quebrar os copos e garrafas. As mães assustadas vendavam os olhos ou tampavam ouvidos dos filhos. Os empregados não conseguiam acalmar o louco, que descalço andava sobre cacos de vidro, gritando as seguintes palavras: “eu sou um instrumento... um instrumento do poder... o poder conjurado... Aqui! Na sua presença”. E apontava para o convidado especial. Ele – o Maestro.

A presença do Grão-Mestre da Ordem era significativa do prestígio da família, porém, Ele não se encontrava lá devido a honrarias fúteis. Não tinha tempo para isso. O pai do aniversariante havia solicitado uma visita, queria que o Maestro avaliasse o talento do filho para a música.

A criança foi conduzida a outra sala, longe dos convidados. Seu pai:

Pai: Filho, este é o grande mestre. Ele está aqui para ouvi-lo, toque para nós.

O filho, percebendo a importância da audiência e não querendo decepcionar o pai, tocou da melhor forma que sabia.

O Maestro ouviu com atenção.

Maestro: Bom... Continue... Continue.

O rosto do Maestro não se assemelhava a nada. Todos nós repetimos alguns padrões faciais, semelhanças físicas. E sua voz, uma melodia estranha, sinuosa, exalava um hálito gelado.
Enquanto tocava, o mestre segurou sua mão esquerda, começou a lhe ensinar novos acordes e escalas. Depois a largou, o menino improvisava empolgado. Subitamente, Ele começou a cantar estas letras:

If I had possession
over judgment day
If I had possession over judgment day
Lord, the little woman I'm lovin' wouldn't
have no right to pray

Hoje, o homem maduro procura no menino as pistas para o desengano que tem sido o seu destino.
A governanta volta a sala, e dessa vez não é recebida com a cordialidade de antes.

Elias: O que foi agora? Já não lhe disse que não preciso de nada!
Governanta: Senhor, a jovem Ana está na portaria insistindo para vê-lo. Não seria uma má idéia atendê-la...
Elias: Hum! Está bem. Vou recebê-la.

Enquanto Ana era recepcionada, Elias caminhou até o bar, abriu o uísque, encheu o copo até o meio, jogou duas pedras de gelos e fez o som da cascavel.
A governanta notou algo diferente em Ana, porém não sabia precisar o exatamente o que era, talvez fosse a ausência do gato.
Ana: Olá!

Elias percebeu logo um brilho novo em seu olhar. Talvez fosse o jeans e a camiseta, pois antes a vira com uma vestimenta mais marcante. O cabelo longo foi raspado. Era outra aparência.
Elias: Não esperava visitas...
Ana: Eu sei. Estou há dois tentando falar com você.

Elias voltou os olhos para a governanta, que em um gesto maternal os deixou a sós. Finalmente dormiria descansada.
Elias: E qual é o motivo da sua insistência em falar comigo?
Ana: Eu rompi com a Ordem.
Elias: O quê?
Ana: Acho que você deveria fazer o mesmo!
Elias: Você está louca! Tenho vínculos ancestrais...
Ana: Estava sendo preparada para ser alta-sacerdotisa, não há vínculo maior e mais ancestral que esse.

A firmeza na expressão o confundia. O que ela dizia traduzia uma série de pensamentos perturbadores e inexplicáveis para ele. Idéias desconexas e covardes.

Elias: Por que está me dizendo isso?
Ana: A Ordem não pode te dar mais nada além de sofrimento.
Elias: A vida é sofrimento.
Ana: Não! A vida é iluminação. Você está nas sombras...
Elias: Por favor, vá embora!
Ana: Você deve sentir o que estou te dizendo... Eu vim aqui para te pedir para se juntar a mim, juntos podemos trilhar um outro caminho.
Elias: Como eu poderia romper com Ordem?
Ana: Abdicando de tudo o que conquistou.

Elias olhou em volta do seu apartamento, o disco de ouro no centro da sala, a festa do seu aniversário no projetor, seus familiares e o garçom...

Ana: Deve estar confuso, é natural... Aqui está meu telefone, se quiser vir comigo...

Sem dizer mais nada, ela lhe deu um beijo no rosto e partiu. Elias desligou o som, o aparelho de dvd. Tragado pelo silêncio, refletia sobre cada palavra que ouvira, imaginando suas conseqüências. “Talvez a morte fosse a melhor solução?”.
(a seguir: Parafuso enquadrado)

2 comentários:

  1. como dizia vinicius: o destino atrasa, mas chega. um grande abraço a todos que estão acompanhando essa saga. E aguardem mais surpresas.

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