sábado, 3 de abril de 2010

Malditos - Cap. XIX

Motivo condutor

Os ventos da revolta voltam a soprar, arrombando as portas de nossa percepção, despertando os bondosos do seu sono, tornando real o pesadelo dos maus.

No teatro lotado, o Maestro retira sua guitarra do estojo, a voz sinuosa volta a cantar, o sibilo de uma cascavel, nos lembrando como tudo começou e como tudo vai terminar.

A primeira canção é sobre um homem ambicioso chamado Orlando e a encruzilhada na qual se encontra. Ele entregou sua devoção a uma mulher e seu desejo a outra. Ah, essa parte é tão comum! Até os versos seguintes sobre o profundo desprezo da personagem pela ordem social, pelas classes, sua busca primordial por poder, que o levou a assinar um contrato, para não ser nem escravo e nem senhor, para além do bem e do mal, apenas um homem livre, forçando os limites de sua vontade, elegendo o misterioso e temperamental Destino como oponente.

Ó suave e malicioso menestrel, cante uma balada de amor, aquela sobre as duas mulheres, Eva e Diana, a senhora e a princesa. Quem orienta a vontade feminina? A serpente ou a vingança? Porque, segundo a canção, uma sente o ambíguo desejo de romper com sua tradição e, ao mesmo tempo, teme a punição de sua própria tradição. A outra deseja ferir o seu amante, uma reação ao desprezo pelo seu amor, mas a cada ferida no corpo do amado é o seu coração que sangra.

Depois dessa bossa, vem o blues sobre o amaldiçoado, Elias – o belo, profeta da tristeza. Talvez se Helena fosse feia, não haveria a Ilíada. Essa é uma canção sobre outro menestrel, que aprendeu a tocar com o próprio Maestro. Ele encontrou o verdadeiro amor, a cara-metade como dizem por aí. Provando ser fora do comum, alcançou também o sucesso, pois os homens ordinários têm uma coisa ou outra. Como os antigos heróis gregos, a Glória foi sua madrinha. Porém, Elias não tinha em seu sangue o gene de um Ulisses, mas sim o de um Orfeu, por isso enterrou sua esposa suicida meses depois dela dar a luz à sua única filha, a qual não consegue olhar, porque cada traço lhe lembra o rosto falecido. Sufocado pelo peso do luto, vive entregue à crença nos seus mitos, na esperança que sua mulher possa renascer nos olhos da jovem profetisa Ana. Tudo é engano ou descoberta. Ana pretende levá-lo para outro caminho, sem misticismos, mas o peso da tradição dele o imobiliza. Ao invés da paz que anseia, o novo só lhe promete incertezas.

O maestro aumenta o volume da guitarra, vamos ouvir uma canção política. O Senador, do topo de sua cobertura, vomita enojado o licor doce da democracia. O seu braço direito, menino prodígio, Alexander C. Shelley bebe devagar, dizendo que é preciso mudar para manter tudo igual. È uma velha máxima. Ao redor deles, ovelhas furiosas: prefeitos, empresários e empreiteiros querem lucrar, dinheiro sujo e imagem limpa. Todos reunidos ao redor da mesa de negócios. Na mira, uma mina de urânio escondida sob os pés de pescadores, que acreditam serem os peixes sua única riqueza. Como seria fácil deixá-los pescar, mas sempre aparece um ambientalista para perturbar, um tipo que atira ali e acerta em outro lugar, sabe falar e sorrir para os fotógrafos. Um sujeito assim é difícil encarar, porém, disse Orlando, em uma sociedade democrática, todos devem esconder seus vícios, e nosso idealista tinha os seus. Nessa sociedade, o mais importante é a aparência, concluiu Orlando, sem discordâncias. Logo, bastava criar uma situação para o ambientalista com sua cocaína aparecer e o jornalista fotografar. Quem segue os passos de santo com pés de barro? Mas quando se luta contra o Destino, nada sai como o previsto, não é mesmo?

“Agora Maestro, por favor, desligue a guitarra! Deixe-me entender, que trama louca! O ambientalista morreu, os pescadores clamam por justiça, a polícia suspeita de crime premeditado, e ainda por cima existe essa tal Ordem, tipo uma seita secreta. No resumo estava escrito novela de horror... Tirando algumas passagens, como a do cemitério, ou Orlando encontrando sua mãe louca... É uma narrativa policial? Claro que não!”

E no silêncio do auditório, alguns ouvintes levantando, outros permanecendo, por puro respeito ao compositor, as cortinas se fecham. Devo ir embora? Muitos saem do teatro reclamando. Aqueles que ficam vêem o Mestre de Cerimônias se aproximar do microfone, em dúvida se ele vai explicar ou seguir com o espetáculo: “a parte XI ao XVIII, foi um improviso, para o baterista e o baixista solarem, agora retornaremos ao nosso leitmotiv”.

As cortinas se abrem novamente. O menestrel volta a ligar sua guitarra, o pé esquerdo sobre o pedal de distorção.

A primeira música é um rock’n roll sobre um cara comum chamado Parafuso. É uma história sobre amizade e desconfiança, lealdade e menosprezo, sobre uma mulher, sobre esta certeza: em uma situação perigo, é melhor salvar a própria pele. Esse enredo começa no exato momento em que Parafuso, fugindo de todas as conseqüências descritas acima, capotou com seu carro, açoitado por visões fantasmagóricas, cegado por uma luz intensa e, quase surdo, uma voz estrangeira recita estas palavras: “A morte perderá o seu domínio. Nus, os homens mortos irão confundir-se, com o homem no vento e a lua do poente; quando, descarnados e limpos, desaparecem os ossos, e nos seus pés e braços brilharem as estrelas”.


(na próxima semana: enterrado vivo em uma terra estrangeira).

3 comentários:

  1. Enquanto o maestro apresenta seu espetáculo no palco, o público aplaude, assovia e dança...
    O show não pode parar!
    Let's go crazy!!!!!

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