domingo, 1 de março de 2009

MALDITOS
Capítulo II
Just like a woman


Ao sair da reunião, Orlando telefonou para sua casa à procura da esposa. Aparecida atendeu. Algo sempre o incomodou nela, sua única serviçal. A explicação para tal incômodo, como quase tudo na vida, não se limita a um único fator. Antes, a senhora trabalhara para seu sogro. Foi ama-de leite de sua esposa. Quando se casaram, ela foi transferida para sua casa, por vontade do sogro. Nunca concordou com isso, mas seria impossível contrariar sua mulher, seu sogro, sua sogra. Isso é o que se pode chamar de costas quentes. Além disso, há o modo como ela o trata: aquele olhar frio, as frases soltas...E acima de tudo, o maior incômodo, a relação da governanta com a menina.
Olhou para o relógio, já passavam do meio-dia e ainda faltavam duas visitas. Entrou no carro. Tantas coisas para fazer, conversas difíceis à frente. E dirigir, sempre gostou de fumar dirigindo. Qual seria a verdadeira natureza da provação? Envolto em incertezas, acelerava para esquecer a fissura da nicotina, o paradeiro da esposa, a governanta...
À medida que o velocímetro avançava, Orlando sentia outra vez a estranha sensação de fuga, uma ilha deserta. A miragem logo se dissipou ao se encontrar em frente ao portão dela.
Vale a pena morar longe da cidade, principalmente quando se vive em um casarão colonial, com um bom pedaço da mata atlântica no quintal. É bem melhor acordar ao som de canários e sabiás. Essa partícula do paraíso lhe foi dada de presente. Ela tem estilo.

Diana: Ora, ora... Eis que recebo a visita de Orlando, o misterioso.

Ela vestia um vestido muito bem decotado, branco.
Diana: A que devo a honra?

Orlando: Preciso da sua colaboração em um negócio urgente, uma boa comissão.

Orlando olhou para o interior da enorme sala, procurava um lugar para se sentar, mas os dois sabiam que buscava esconderijo. Diana caminhou em direção à estante, pegou a caixa forrada com veludo negro, retirou um baseado. Sentou em sua cadeira de balanço, de frente para ele. Acendeu o cigarro, deu uma longa tragada, abriu um pouco as pernas, o vestido deslizava sobre suas coxas, soprou a fumaça como uma provocação. Havia algo diferente no olhar dela, poderia ser raiva ou desprezo.
Diana: Você quer me propor um “negócio”, por “uma boa comissão”... É só isso que tem a me oferecer, depois de... Quanto tempo que não nos vemos?

Orlando: Doze meses.

Diana: Muita coisa acontece com uma mulher durante esse período, sabia?

Orlando e Diana se conheceram na adolescência. Os dois se viram pela primeira vez no corredor do teatro da escola estadual. Uma agência de modelos promovia um desfile de verão entre os alunos. Espremidos em uma fila dupla, trocaram algumas palavras, riram da situação em que se encontravam, seminus, vestidos como índios. Naquele momento nasceu uma afinidade, uma atração, “uma identificação cósmica” segundo Diana.
Orlando: Me ausentei porque foi preciso.

Diana: Para quê? Qual a finalidade? Mereço maior atenção.

Ela deu outra longa tragada, o vestido desceu até os quadris. Seus gestos eram movidos pelo cálculo e o desejo. Para Orlando, não havia dúvida, a natureza da provação – finalmente - começava a se revelar.
Orlando: Estou vivendo um momento crucial da minha vida, um período de estágio para entrar em uma grande empresa, por isso não te procurei.

Diana: Já acabou o estágio?

Orlando: Quase.

Diana: Então, por que me procurou?

Orlando: Preciso de você.

Diana: Há quanto tempo está me usando?
Orlando: Este é apenas um momento, depois, tudo será melhor para nós dois. Agora, só preciso que me diga sim ou não. Vai me ajudar?

Diana: O que ganho com isso?

(no próximo capítulo: um plano sinistro se inicia)

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