segunda-feira, 25 de maio de 2009

malditos - Cap. X

Perdas e danos


Em busca do poder, Orlando trabalha para ser aceito por uma poderosa Ordem, porém terá que provar seu valor. Na sua jornada, envolveu um amigo e um amor do passado em um assassinato. Para ele, seu plano foi perfeito. Agora há um inspetor investigando seu comparsa, Parafuso, que acabou de entrar ofegante no escritório de Orlando. Esse não é o mundo da literatura realista dos anos 2000. Este é o mundo de malditos.
Parafuso: Preciso te contar como foram as minhas últimas quatro horas. No final, espero que entenda a situação em que me colocou e o preço que isso vai te custar.

Orlando ouviu o mito da cambaxirra e todos os blábláblás. Supersticioso demais. Quando mencionou o nome de Diana, se sobressaltou, ouviu atentamente cada palavra, pediu para repetir partes, confirmou impressões. Parafuso só não contou sobre a desconfiança dela. Isso era “segredinho de casal”. Por que ela o procurara? Aquela mulher usa um repertório infinito de recursos para obter qualquer coisa de um homem. Ainda mais um apaixonado. Portanto, o que estava acontecendo no escritório de Orlando não era bem uma conversa, mas um jogo de gato e rato.
Parafuso: E vamos ao pior, ao superlativo. Depois que Diana saiu, um inspetor da polícia federal apareceu, adivinha para quê?
Orlando: Algo relacionado ao acidente? Ou às suas atividades “extracurriculares”?
Parafuso: Você está tirando onda com a minha cara, mas vai comer aqui... Na palma da minha mão.
Orlando: Vai confessar sua participação na sabotagem de um carro, resultando em um acidente fatal?
Parafuso: Se essa for a última saída, sim! E não me venha falar em amizade, porque a jogou no lixo.
Orlando: Você foi intimado?
Parafuso: Fui convocado a “colaborar”. Quer saber como?

Enquanto Parafuso explicava o convite para comparecer ao depósito da polícia federal, daqui a dois dias, para analisar o carro sabotado, a mente ágil de Orlando procurava, entre uma lista de rostos, um no departamento de investigação. Teria de ser alguém com teto de vidro, que não pudesse chantageá-lo no futuro.

Orlando: Você presta serviço para muitos policiais, talvez tenha sido uma coincidência.
Parafuso: Por acaso existe acaso?
Orlando: É...
Parafuso: Eu quero duas coisas de você: proteção e dinheiro.
Orlando: Sabe que sou um cara muito precavido...
Parafuso: Não tem parecido!
Orlando: Mas sou! Em todo plano, algo sai fora do previsto, porque não há como prever. Quando elaboro alguma coisa, começo pelo pior, e trato de evitá-lo desde o início, arranco a vitória das garras da derrota. Estou ciente sobre os seus gastos com a ex-esposa, a pensão para os filhos, entendo porque age dessa forma.
Parafuso: Esse inspetor reabriu a investigação sobre acidente do ambientalista, até o fim desse caso, eu quero sete mil reais em dinheiro, por mês, aqui na sua sala, a partir da data de hoje. E não estou agindo assim por mesquinhez, mas por profissionalismo, já que ser investigado pela polícia federal não estava no nosso contrato.
Orlando: Está certo, certíssimo! Só espero que essa seja a última condição para sua “colaboração”. Caso contrário, vou passar a chamá-lo de prego.

Depois disso, reinou o silêncio e um clima de animosidade. Ofensas implícitas foram trocadas, uma antiga amizade ganhou rachaduras em sua base, não houve abraços ou cumprimentos gentis na despedida.
Olhando as pilhas de papéis sobre sua mesa, Orlando imaginou uma cidade medieval. A torre mais alta – os processos relacionados a Ordem – o castelo. As pequenas pilhas – os processos conjugais e afetivos – as humildes casas de seus moradores. Em sua cidade não existia prisão. A cabeça doía. Tomou dois analgésicos junto com uma enorme xícara de café. Notou algo novo em seu organismo: mesmo vivendo uma situação de tensão, não sentiu vontade de fumar. Olhou para o relógio, consultou sua agenda, riscou todos os compromissos. Pegou as chaves do carro decido a encontrar Diana imediatamente.
No caminho, Orlando sentiu remorso. Muito remorso remexido com medo. Diante do Destino e seu jogo misterioso, é muito difícil não tremer. Era comum, na Idade Média, pintar os seres humanos como fantoches do Destino. Enquanto dirigia, sentiu vontade de voltar ao tempo, desfazer, escolher outro caminho conduzindo à liberdade. Ao invés disso, vivia um momento de arrependimento, o primeiro sinal de fraqueza humana. Então, projetou duas realidades possíveis: uma na qual está comemorando sua consagração; outra que não conseguia imaginar. Essa capacidade de projetar sempre a vitória chamou atenção da Ordem para sua vocação. Nós chamamos isso de otimismo, eles chamam de positivismo. E nós podemos aprender muito da essência do positivismo observando o movimento de Orlando diante das conseqüências dos seus atos: um primitivo em fuga sentindo o bafo do mamute na sua nuca.
Diana cuidava dos pés de rosa no seu jardim. Sua empregada a auxiliava. Junto com elas um bebê no seu carrinho protegido do sol. Uma estranha planta estava se alastrando, como uma espécie de trepadeira, se alojando no tronco e caules de outras plantas.
Diana: Nunca vi... Você conhece?
Empregada: Conheço não senhora!
Diana: A roseira está seca... Essa planta é uma parasita!
Empregada: Tem alguém chegando.
O barulho do motor do Mercedes de Orlando assustou a todos, principalmente o bebê, que começou a chorar. Ele saiu do carro como um raio, em segundos já estava diante de Diana, que ainda segurava nas mãos a estranha planta.

Orlando: Olá... A gente precisa conversar

Ele olhou surpreso para o bebê no colo da empregada, que o fazia parar de chorar.

Diana: É a filha da minha empregada. Você a assustou. Vamos conversar no salão.

Era impressionante o modo como Diana transformou um sítio abandonado em um lugar de calma e paz. Olhando para variedade colorida de flores, roseiras, pés de goiaba, o som doce do riacho que corre além bosque, Orlando pensava: “É. O senador foi generoso”. Mas é sempre bom desconfiar da generosidade de um sovina. O sítio caiu nas mãos do senador. O casarão pertenceu inicialmente a um grande comerciante do século XIX, segundo as más línguas, traficante de escravos, enfim... O imóvel foi passando de geração a geração até que o perderam em uma mesa de pôquer. O senador fez algumas melhorias no início, mas logo desistiu do lugar. Ele tentou vendê-lo, poucos demonstram interesse devido ao modo como fora adquirido. Como o imóvel não constava em sua declaração de bens, e a oposição mordia seus calcanhares, o político começou a considerá-lo um elefante branco. No final das contas, o sítio foi útil para agraciar uma bela dama com um presente a altura.
Ao chegar ao salão, Orlando não se conteve mais.
Orlando: Você acha que eu matei o ambientalista?
Diana: Parece que já admitiu isso para si mesmo.
Orlando: Quem matou aquele homem foi você!
Diana não se conteve, com os olhos lacrimejando e as palavras cheias de raiva.
Diana: FILHO-DA-PUTA!

Orlando se levantou com mais raiva e a esbofeteou. Ela caiu sobre o sofá chorando. Diante do ato impensado, ele se jogou aos seus pés.

Orlando: Por favor, confie em mim...

Ela o afastou, enxugou as lágrimas, respirou fundo.
Diana: Você mudou muito...
Orlando: Preste atenção: foi um acidente.
Diana: Tramado por você. Eu vi o Parafuso...
Orlando: Quer saber o que eu planejei: você entregaria o pó para ele, quando estivesse voltando, o carro ia quebrar, eu o seguiria, chamaria um agente nosso da civil, o ambientalista seria revistado, preso por porte de droga, acabou.
Diana: Não sente culpa?
Orlando: Não! Eu não o matei. Foi ele que se matou! Com a sua ajuda. Por que deu conversa para ele? Por que não entregou a encomenda e saiu como o combinado?
Diana: Queria saber porque ele havia virado seu inimigo.
Orlando: Veja bem: ele se matou. Vamos voltar a cena. Eu lhe apontei uma arma, tirei você dos braços dele, o que fez? Poderia ter voltado ao bar, o mais sensato, chamado os seus amigos, a polícia e o escambau... Mas o que ele fez? Entrou no carro para dar mais uma cheirada... E depois saiu como um louco pela estrada. Não demonstrou nenhum apreço pela vida.
Diana: Que pessoa estranha você está engendrando dentro de si.

Orlando nada respondeu, apenas olhou além do horizonte, com uma única convicção: é impossível voltar atrás, e o que está traçado, deverá ser cumprido.
(a seguir: Welcome Mr. Robert Johnson)

5 comentários:

  1. Fala Anderson, to na área! Depois dá uma visitada no meu blog www.otario.involuntario.blogspot.com
    beleza?

    Grande abraço!

    ResponderExcluir
  2. Adorei o Orlando viajando nas pilhas de papel da mesa dele. Fiquei imginando a cena em animação...

    ResponderExcluir
  3. novamente este Orlando é "banda e goela"!
    se não te quebra a costela, te pisa na consciência...
    ... a culpa é sua Diana!

    esse cara daria um bom sacerdote

    ResponderExcluir