sábado, 7 de março de 2009

Malditos - Cap. III

Velhos companheiros


A comissão era tentadora. Ela disse sim. Por outro lado, não estava disposta a entregar todos os pontos. Diana sabia farejar segredos. Além disso, se algo secreto a envolvia, o próprio senso de sobrevivência a exigia saber mais. Ele não lhe escondeu nada, mas também não revelou tudo.
Orlando despediu-se dela na porta do carro, com o motor já roncando.

Orlando: Eu preciso ir... Depois a gente conversa... Não se esqueça, as oito da noite, Satyrico’s bar.

Diana não disse nada, nem precisava. Estava tudo escrito no seu olhar. E no mínimo detalhe do movimento do seu corpo. Enquanto o Mercedes levantava poeira e o motor rugia como um animal furioso indo à caça, ela subiu lentamente as escadas, mirando as nuvens, o contorno das montanhas.
Orlando dirigia rápido, olhando o relógio, analisando cada elemento envolvido em seu plano. Não queria incluir Diana. Mas sem seus sócios de confiança, não logrará sucesso. Para ele, nesse momento, pior que uma peste somente o fracasso. Outra conversa difícil pela frente.
Diana sentada no degrau da escada, virando e revirando o celular: ligo, não ligo. A dúvida corroia seu peito até sentir calafrios. Por que aceitou? Pela comissão... Francamente, ela mente melhor para os outros. Ligo, não ligo. E se acontecer algum acidente? Por que aceitou? Uma proposta infame. “Será que ele me vê como uma prostituta?”. Ligo, não ligo. Ele não iria tão longe, não seria tão vulgar. Mas que tipo de situação, ou gente, o forçaria a tomar uma decisão relutante? E ainda por cima irá se encontrar com Parafuso, aquele marginal! Não ligo.
Quando estacionou o carro e viu Parafuso, com sua velha camisa dos Ramones e seu andar coxo, Orlando não evitou um sorrisinho sarcástico. Algumas coisas nunca mudam, são duras como as rochas e burras como os cavalos.

Parafuso: E aí meu caro Orlando, o garboso! Gostou do visual do bar?
Orlando: Já estive em puteiros melhores.
Parafuso: Ih, tô te estranhando! Sempre soube que um dia você se revelaria.
Orlando: É um prazer revê-lo, senhor Leandro Álvares Pimenta – o enroscado.

Os dois se conheceram no colégio, quando tinham quatorze anos. A alcunha surgiu devido a uma frase que Leandro repetia em todas as situações: “eu tô enroscado, tenho que ir”. Para Orlando, “quem vivia enroscado era parafuso. Tá aí! Leandro Parafuso, o meu camisa 9”. O apelidou pegou. Como essas mentes tranquilas, que sabem tirar o proveito das coisas, anos depois, Leandro passou a usá-lo profissionalmente: “Parafuso, o melhor mecânico da cidade”.

Orlando: Vamos conversar em um lugar mais discreto. Tenho um negócio importante a te propor e pouco tempo para realizá-lo.
Parafuso: Está me convidando para um quarto?
Orlando: Estamos perdendo tempo.
Parafuso: Relax, brother! Dois caras conversando em lugar público chama menos atenção do que conversando em um beco escuro. Além do mais, quem prestará atenção em nós no meio de tanta mulher bonita, olha só! Pode falar, sou todo ouvidos.

Parafuso nasceu dotado de inteligência prática. Aos sete anos já sabia desmontar um motor. Seu pai era mecânico, e ele idolatrava o pai. O menino tornou-se um homem pragmático e desconfiado. Para ele, não há nenhuma desonestidade em superfaturar as notas do conserto, ou eventualmente repassar carros roubados, nada disso... Trata-se de um adicional pelo talento. Achou arriscada a proposta de Orlando, mas a comissão parecia segura.

Parafuso: Não acredito que você me fez essa proposta! Que tipo de empresa está trabalhando que te obriga a isso?
Orlando: O tipo de empresa que oferece essa quantia de dinheiro, aqui dentro dessa mala ao meu lado. Negócio limpo e rápido. Daqui a duas horas a gente se encontra, em meia hora já terminou o serviço e volta para casa... Nem o vento saberá.
Parafuso: E a Diana, e se ela não aparecer?

(a seguir: Maldito hippie sujo)

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