sábado, 14 de março de 2009

Malditos - Cap. IV

Estrada para perdição

Sentado na mesa 04 do Satyrico’s bar, esperando. O relógio marca 19:30. Orlando mais ansioso do que noivo no altar. Não é para menos. O projeto Nova Gênese é o mais importante da empresa neste ano. Em seu início, seu nome nem sequer foi mencionado. Devido à sua magnitude, só os altos membros participaram da idealização do projeto. Agora que o empreendimento empacou, foi chamado. E pior, no seu período de “preparação” para a cerimônia, quando deveria estar em retiro, é testado em uma missão suicida. Seu celular toca como se o despertasse de um transe.

Orlando: Olá, Maninho! O cidadão te ligou?... Ótimo!... Ele está na fissura... Você marcou com ele no Satiryco, às oito? Ótimo... Preste atenção: daqui a pouco chegarão duas gatinhas à sua casa, um presentinho adicional... Divirta-se!

19:45. Através da janela do bar, Orlando vê Parafuso se esgueirando sob as sombras das árvores que praticamente escondem a entrada do bar. Ele chegou antes, como sempre, para averiguar o lugar. Desconfiança é ouro nesse mundo. Seu celular toca novamente, olha para o visor: sogro chamando.

Orlando: O meu plano está correndo como o previsto... Se meus ajudantes chegaram? Já... Não, esse ainda não.... Espere, o alvo chegou! Vou desligar.

O ambientalista entrou no bar saudando seus companheiros de luta, os pescadores da região, os moradores dessa lucrativa vila. Ele é geólogo e foi nomeado secretário ambiental, cargo criado pelo prefeito para ficar bem com o ministério do meio ambiente. Há alguns anos atrás, descobriu-se na região uma imensa jazida de diamantes, muitos pescadores tornaram-se garimpeiros, e rapidamente alguns comerciantes começaram a negociar com joalheiros internacionais. Tal descoberta chamou atenção dos capitalistas.

A empresa a qual Orlando representa realizou um estudo secreto sobre o solo da região, que apontou para a existência de uma mina de urânio. Somente dez pessoas sabem dessa informação. Orlando não está entre elas. Foi nesse momento que se elaborou o projeto Nova Gênese, cujo objetivo é: comprar as terras onde se localizam as minas, monopolizar o negócio de diamantes, construir uma fábrica e uma usina, empregar a mão de obra local no trabalho pesado, enfim, por ordem na casa. Tudo ia bem, com o Senador facilitando o diálogo com os políticos locais, até o secretário começar a agitar a massa.
O ambientalista bateu de frente com a construtora Marinho & Santos, representada pelo empreiteiro e o empresário. Como podemos observar no início, ambos foram inábeis para lidar com o secretário. Na verdade, subestimaram o carisma do oponente. Em um mês, o idealista conseguira inflamar a população. Sua popularidade foi tema de uma reportagem da revista. Ele alcançou esse status a partir de hábitos rotineiros, como ir todas as quintas ao Satyrico’s bar, onde os trabalhadores se reúnem para discutir política e beber algumas cervejas antes de voltar para casa. Ir uma vez por semana foi importante para criar expectativa entre os freqüentadores, e o bar tem ficado mais cheio nessas noites. Seus admiradores apenas não sabem sobre seu vício em cocaína.

A Orlando foi incumbida a missão de resolver o imbróglio, para tanto, armou o plano que se desenrola diante de nossos olhos. Primeiro entrou em contato com Maninho, o traficante, que só venderia a droga para o ambientalista na quinta-feira, em um encontro no Satyrico’s bar. Enquanto isso, Parafuso realiza seu trabalho. Tudo sob a supervisão do sogro de Orlando, que o indicou para a missão. Mas para que o ardil se realize à perfeição, precisa de Diana.

20:00. Orlando liga para ela, ouve a mensagem informando o telefone desligado, abre dois chicletes anti-nicotina de uma vez. Sua fissura só não é maior do que a do geólogo. A pouco levantou a voz para um companheiro, fato que surpreendeu a todos, pois sua fala sempre foi mansa e educada. Agora mesmo pegou o celular e foi para fora do bar. Em sua mesa estratégica, Orlando observa suas inúteis tentativas para se comunicar com Maninho. Há deleite em seu olhar ao vê-lo levar as mãos trêmulas ao cabelo e voltar ao bar, impaciente.

20: 25. Nada corre bem. A peça final para realização de seu plano ainda não chegou, o celular desligado. O idealista começa a tratar rispidamente alguns companheiros, parece inconformado com raciocínio lento deles. Parafuso entra no estabelecimento, olha de soslaio para Orlando, discretamente faz sinal de positivo, depois senta no balcão, pede um maço de cigarros, uma cerveja em lata, pergunta pelo resultado do jogo. Seu trabalho já está pronto, cinco minutos antes do previsto.

Ao sair, Parafuso envia a seguinte mensagem para Orlando: “Seu erro é o excesso de autoconfiança”. Orlando desliga o celular. Quando pensava em atirá-lo pela janela, Diana entra no bar. Boa fisionomista, ela reconhece o ambientalista na primeira olhada. Ao contrário do combinado, não se aproxima dele, apenas senta no balcão.

Pelo plano de Orlando, ela o procuraria discretamente, se apresentado como enviada do traficante, lhe entregaria o produto, e sairia. Ação simples. Por que ele não poderia executá-la? Correria o risco, depois, de ser reconhecido. Nunca correr riscos.

O ambientalista levanta de sua mesa para ir ao banheiro, no caminho Diana o segura pelo braço e cochicha algo em seu ouvido. Seus companheiros se exaltam. Ele retorna à mesa, inventa uma desculpa, retorna à companhia de Diana sob os aplausos dos amigos. A frieza de Orlando chega ao seu limite. O que ela falou? Por que sentar em outra mesa? E, ainda por cima, de costas para ele? O viciado toma a direção do banheiro, com uma das mãos fechadas.

No banheiro, o idealista lança a cocaína sobre sua carteira, como um esfomeado avançaria sobre um prato de comida. Aspira fundo uma, duas, três vezes. “Valeu a pena esperar!” Volta ao salão sorrindo, abraça quem antes tratara com rispidez, canta o antigo sucesso do grupo Brylho: “A noite vai ser boa, de tudo vai rolar, de certo que as pessoas devem se conhecer...”

Diana o aguardava imaginando Orlando se remoendo em sua mesa. Ele estava furioso, sentia vontade de arrastá-la a porradas, mas não podia por seu plano a perder, pois embora demorasse além do combinado, ela havia entregado a encomenda. Agora os dois conversavam sem que pudesse ouvi-los. Que angústia!

Diana: Quando me pediram para te encontrar, quase não acreditei... Sou sua fã.
Sob o pretexto de retocar o batom, a bela retirou de sua bolsa o espelho para mirar Orlando.Talvez tenha considerado o atraso um meio para provocá-lo, tolo presunçoso, só queria mais tempo para investigar sobre o homem que encontraria. O ambientalista, fascinado pelos seus ombros desnudos, nem percebeu que ela procurava um ângulo de observação. Satisfeita, fechou o estojo de maquiagem, abriu um sorriso charmoso para o interlocutor.

Diana: Qual sua motivação nessa campanha, é política?
Ambientalista: É humanista!
Diana: Naquela matéria da revista, você faz algumas acusações....
Ambientalista: A construtora Marinho & Santos está trabalhando para um poderoso grupo econômico chamado Gênese. É um conglomerado formado por políticos, investidores internacionais, intelectuais, que pretendem explorar as riquezas minerais da região.
Diana: Você reconheceria algum membro se estivesse aqui?

Intrigado, o geólogo olha em volta, sem reconhecer nenhum membro da construtora, os únicos que conhece ligados ao grupo Gênese. Seus companheiros sentados em outra mesa fazem sinal de positivo, um deles, mais folgado, imita com as mãos o ato de felação.

Ambientalista: Vamos conversar em outro lugar...
Ao perceber o garçom encerrando a conta do casal, Orlando sai do bar, para esperá-los do lado de fora sob a penumbra das árvores. Em dois minutos surgem, quando Diana prestes a entrar no carro é puxada.

Ambientalista: Que porra é essa?
Orlando: Entre no seu carro, isso não é assunto seu!
Diana: Me deixa!

Nada ocorre como o previsto, por causa dela! Não queria se revelar, agora o ambientalista tenta empurrá-lo. Orlando levanta a blusa deixando visível a pistola nove milímetros na sua cintura.

Ambientalista: Ela não que ir com o senhor!
Orlando: Entre no seu carro e suma! Se não, te dou um tiro na cara, agora!

As sombras das árvores não permitem que as pessoas no bar vejam a arma apontada para o rosto do ambientalista.

Ambientalista: Ele é seu marido?
Diana: Vá embora, será melhor!
Orlando segura fortemente o braço de Diana, arrastando-a para seu carro.

Diana: Com que tipo de gente está envolvido? Acha que pode me usar?

Ele nada responde. Através do espelho retrovisor, vê o ambientalista se drogando mais. Então, das sombras, surge um bêbado. Diante de sua aparição, o geólogo liga seu carro e parte cantando pneu. Orlando o segue.

Diana: O que está acontecendo?
Orlando: Você estragou tudo.
Diana: Para que segui-lo?

O limite de velocidade da estrada do Contorno é de 80km. Ao perceber o carro atrás, o ambientalista pisa fundo. 100 km. Orlando quase derrapa em uma curva. A estrada é traiçoeira. O secretário conhece cada curva. 140km. Exímio motorista. Não pisa no freio, mas quando o faz pela primeira vez, não há resposta. Seu coração gela. Ao tentar reduzir a marcha, ouve um barulho estranho vindo do câmbio de direção.

Diana: Meu Deus! Ele capotou! Pára o carro, Orlando... Pára!
Orlando: Não.

O carro virou cinco vezes até sair da estrada. Nervoso, Orlando pega o celular.

Diana: Para quem você está ligando?
Orlando: Para o resgate. Alô, Chicão... Vem para a estrada do Contorno, aconteceu o acidente.
(no próximo capítulo: eu lhe disse para não abrir esta porta).

4 comentários:

  1. Jura que o próximo capítulo é só na semana que vem?!

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  2. oi, songs, to acompanhando! segue em frente!mas só falo pessoalmente. um abraço! salga.

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  3. Cade o capítulo dessa semana?! Vai ter que escrever dois, hein? =)

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  4. Tá bacana, Anderson. Tem tudo que um folhetim precisa!

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