terça-feira, 22 de setembro de 2009

Malditos - Cap. XV

As portas da percepção estão abertas

Diana aumentou o volume do aparelho de som, a voz grave de Jim Morrison surgia clara do além-túmulo:

She was a princess
Queen of the Highway
Sign on the road said:
take us to Madre
No one could save her

Todas as dúvidas em relação a Orlando brevemente suspensas. Os inúmeros registros das ligações do inspetor da polícia federal permanecerão sem respostas. Agora, a única coisa importante é a diversão. Mas é impossível se divertir sozinha. As companhias possíveis registradas na agenda do celular são inúteis: amigas falsas, coroas com suas pílulas de viagra e cartões de crédito. Ela não precisa de dinheiro. Só quer uma presença legal, alguém que não dê nada em troca além da sincera admiração. Nesse momento, só existe uma pessoa capaz disso.

Diana: Alô... Leandro, como está?... Então, vamos sair... Quero dançar, estou tão entediada! Topa?... Daqui a meia hora passo na sua casa!

Parafuso desligou o telefone surpreso e desconfiado. Olhou para as unhas sujas de graxa. Tinha pouco tempo para se arrumar. Começou fazendo a barba, depois cuidou das mãos, ligou o chuveiro: sabonete, condicionador, perfume. Experimentou uma, duas, três camisas... E a campainha tocou! Saiu correndo vestindo apenas a calça, abriu a porta...

Diana: Que recepção!
Parafuso: Achava que fosse demorar mais um pouco... Entre.
Diana: Pode terminar de se arrumar.

Diana se sentou no sofá, abriu a bolsa, pegou um estojo dourado, retirou um baseado, acendeu e, depois da primeira tragada, ofereceu a Parafuso, que recusou. Ela não sabe, mas o uso de drogas arruinou o seu casamento e quase o levou à sarjeta. Só os fortes sobrevivem – diria Keith Richards.

Parafuso: Estou pronto! Para onde vamos?
Diana: Ao Pow Pow Club... E eu dirijo!

Parafuso pensou em encostá-la na parede, tirar a verdade como um dentista tira um dente, porém ela abriu aquele sorriso lindo e o lembrou o quanto esperou por isso. Ah, deixa o interrogatório para amanhã. Antes de entrar no carro, ele averiguou a rua para se certificar se havia algum carro estranho.

Diana: O que foi?
Parafuso: Nada!

Ela deu a partida, fez a curva a 80 e esticou a 100 quando entrou na avenida principal, cantando junto com Iggy Pop:

callin' from the fun house with my song.
we been separated baby far too long.
callin' all you whoop-de pretty things.
shinin' in your freedom come and be my rings.

Enquanto esta amazona do século XXI dirigia elétrica, Parafuso voltava os olhos para trás de modo tenso e obsessivo.

Diana: Tem alguma coisa te preocupando?
Parafuso: Não! Por quê? Deveria?
Diana: Você não mudou nada.

Ela sorriu, passou levemente as mãos pela cabeça do carona. Depois acendeu o baseado que começara a fumar na casa do velho amigo, sem perceber que logo a frente havia...

Parafuso: Uma blitz da polícia! Puta-que pariu, apaga essa porra!
Diana: Relaxa, meu querido. Você está comigo.

Diana apontou para um adesivo colado no canto esquerdo do vidro da frente do carro. Parafuso reconheceu o símbolo. Ao verem a inscrição “poder judiciário”, os policiais abriram passagem. Para provocá-los, ela abriu o vidro do motorista, deixando sair o forte cheiro da erva, fez um sinal de continência e seguiu com o som no volume máximo.

Parafuso: Não precisava abusar. Se eu fosse um deles, te parava na hora!
Diana: Ainda bem que você está do meu lado, não é?

Ele não respondeu, apenas acendeu um cigarro e ficou imaginando o que ainda estava reservado para a noite. Esperava amanhecer com ela nua em sua cama.

O Pow Pow Club é um lugar onde os extraordinários se encontram. Na entrada há uma placa na qual se lê: celebridades não entram. É preciso muito mais do que dinheiro ou fama para entrar. É necessário algo a mais para dançar no salão. Sua localização é um segredo guardado a sete chaves. Eça de Queiroz gastaria páginas e mais páginas descrevendo cada detalhe do recinto – que pena que ele não está aqui. Quando um estranho aparece, não importa com quem esteja acompanhado, só entra se passar pelo crivo do proprietário – o Esfinge.

Parafuso: Que lugar é esse?

Diana coloca a mão no peito do amigo, indicando para esperá-la na entrada. Ela conversa com o porteiro. Este pega o celular. Parafuso faz um sinal para a amiga se aproximar.

Parafuso: Qual é a desse porteiro?
Diana: Aqui é um clube seleto...

Um sujeito baixo surge na porta de entrada.

Esfinge: Diana... Minha princesa.

Eles se abraçam como velhos conhecidos e conversam rapidamente. O desconfiômetro de Parafuso ultrapassa o limite vermelho, ainda mais depois deste diálogo.

Diana: Este é Leandro... Somos amigos de infância.
Esfinge: Ele não está vestido apropriadamente, tem um cabelo horrível, a coluna torta e é manco! Não sei... Eu gosto tanto de você, mas...

Analisou o mecânico de cima para baixo. Parafuso também cravou o olhar sobre o proprietário do clube, que vestia um terno preto listrado, lenço vermelho dobrado em v no bolso, calça de brim engomada, estilo mafioso.

Parafuso: Para mim, você com que essa estampa don Corleone, saiu do desenho da Penépole Charmosa...

Diana fez um esforço para não rir. O porteiro lançou um olhar pouco amistoso e escondeu uma das mãos na cintura.

Esfinge: Me dê um bom motivo, além de sua bela companhia, para deixá-lo entrar.
Parafuso: Eu estou aqui por acaso e não vou voltar.

Após segundos de silêncio, o proprietário sorriu, deixando à mostra os dentes caninos afiadíssimos.

Esfinge: Boa resposta...

Diante da situação inusitada, Parafuso esperava encontrar um ambiente de luxúria e perversão. Tudo era absolutamente normal. A música era boa e muito alta. As pessoas eram bonitas, e é claro olhavam com estranheza para ele. Havia um forte cheiro de cigarro misturado a álcool. “Mas pelo amor-de-Deus” – pensou – “isso é igual a qualquer lugar!”. Nada justificava a cena da entrada. Outra vez ela o submetia aos seus caprichos, por isso segurou firme o braço dela.

Parafuso: Qual é?
Diana: Nem tudo é o que parece.
Parafuso: Por que me trouxe aqui?

Diana o beijou na boca. O gosto agridoce dos seus lábios o remeteu a outro lugar, não era nem o passado e nem o presente, um espaço prazeroso no qual se sentia como um guerreiro, um instante que não deixaria acabar.

Diana: Agora quero dançar! Pega uma bebida para gente.

Como uma criança com a primeira bicicleta, Parafuso foi até o bar. “Que bebida eu levo?” – boa pergunta, afinal o que significa “uma bebida para gente”. Ah, ela é uma lady! Pegou a carta de bebidas, correndo o dedo pelos preços percebeu o significado de “clube seleto”. Ainda bem que Orlando havia depositado o adicional pelo trabalho sujo. Uh, péssima lembrança. Não! Pensamos nisso amanhã, sem dramas esta noite.

Barman: O que o senhor vai querer?
Parafuso: Um coquetel de morango com vodka... E um black label caprichado...

Ao passar pela pista até Diana, tentou preservar ao máximo o seu destilado, pois “cada gota está valendo o salário dos meus empregados”. Ao chegar, ela tomou de sua mão o copo de uísque. Após um longo gole, sussurrou ao seu ouvido: “ADORO JORGE BEN. VOCÊ GOSTA?”. Como um bom roqueiro das antigas, Parafuso não tinha o menor interesse por nada ligado a samba ou suingue; no entanto, tinha que ser sincero.

Parafuso: Acho legal.
Menina gata Augusta, menina Augusta gata
Menina, menina
O que ela vai comprar eu não sei
Mas se ela quiser comprar o meu amor
Eu lhe daria de graça

Sem lá muito ritmo para o samba rock, enjoado com o coquetel de morango, Parafuso voltou ao bar. Duplo black label. Ao voltar, encontrou Diana com uma mulher que o deixou sem oxigênio.

Diana: Vou ao banheiro... Não fuja!

A mulher olhou para ele com um indisfarçado desdém. E as duas seguiram sorrindo em trenzinho pelo salão. Ao entrar no reservado, a amiga esticou duas carreiras de cocaína, menor apenas que o seu sarcasmo.

Amiga: Fofa, o que é essa pessoa ao seu lado? O Sherek?!?
Diana: Se você ler Vitor Hugo, saberá que uma aparência grotesca esconde uma alma bela.
Amiga: Não é preciso leitura para saber que está com esse ogro por carência...

A frase foi uma dura estacada em seu orgulho. Enquanto a amiga da onça limpava o nariz diante do espelho, Diana via o reflexo de sua fragilidade e não se reconhecia. Ela deixou a fútil...

Amiga: Ei, disse alguma coisa?

Voltou ao salão...

Diana: Leandro, vamos embora...
Parafuso: Demorou...

O caminho de volta foi lento e silencioso. Cada um imerso em seus dilemas. Antes de abrir a porta de sua casa, Parafuso se deu conta de um fato: “Ela sempre me chamou pelo meu nome”. A constatação cobriu como um véu sua desconfiança.

Leandro: A casa está meio bagunçada.
Diana: Não tem importância.

O sol nascia iluminando seus corpos nus.

Leandro: Sonhei por esse momento durante anos. Apesar de tudo, Orlando sempre foi o meu melhor amigo.
Diana: Os melhores amigos são os maiores traidores.

(a seguir: uma aula de política com o Senador)

5 comentários:

  1. Um drink no Inferno by Anderson Tarantino

    Sexo, trapaças e videotape
    e muito acid-punk-samba-rock

    que saudade! que saudade!

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  2. "[Diana] Jeep, sujeita você é um barato, terrivelmente feminina..."
    "ADORO JORGE BEN. VOCÊ GOSTA?"

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  3. Que abram as portas da percepção então!

    Grande Anderson, muito boa a continuação!

    Abraço.

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  4. meu blog agora é


    www.vacacontemplativaemterrenobaldio.blogspot.com

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